quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Rega

Galguei ao terceiro andar, era nove e pouco, estava um calor abafado, na rua não corria brisa e a noite estava clara.
Ausente de ascensor, subi o primeiro lance de escadas, veio-me ao pensamento os quantos anos iria subir aqueles degraus, aquela escada elipse, estreitamente atrofiante, se mais um andar existisse vomitaria à chegada. Arrepiei-me no suor, cogitei num azar de vida que me impedisse de subi-las, agarrei-me com força à madeira macia do corrimão e avigorei o passo, afinal ainda nova e capaz! Era aquele calor, vindo da clarabóia-estufa do edifício que me estupidificava os pensamentos!
Abri a porta, o cheiro a tintas, madeiras tratadas, cimentos, ceras e afins não encontraram meio de desabitar! É-me agradável tocar nos ainda despidos interruptores e dar luz aquela sala nua, já tão minha, tão acolhedora. Esbocei um sorriso à chegada, como sempre o fizera desde que a sonhei possuir, é minha, é a minha casa!
Contente vou regar as plantas, já há vida por lá, nas varandas, no quarto de banho e uma perdida numa das divisões. Ali vai começar algo, não sei bem o quê, nem exploro a imaginação com suposições, não quero gastar o que ainda nem estreou. Mas sinto que sim, que lá cercada daquelas paredes pintadas a quente vou aninhar no inverno, sonhar no dormir e viver cada despertar. É lá que vou deixar passar tempo por um gargalo estreito de sentir, é, é ali que vou confessar o gasto de beleza e ver chegar as fendas do meu rosto, reflexos sem medo nos espelhos já pendurados. Lá andarei nua de mim e descalça dos outros. Rebolarei no lago espelhado do meu soalho, escreverei as mais de mil linhas entre as fissuras dos tacos cruzados. E depois? Depois babarei o meu sofá pistáchio nas noites de sábado para acordar tarde nas manhãs de domingo e arrastar-me até ao duche, sem mas, nem mais, nem diabo a sete! É um terceiro andar e fui regar...
Fui regar, sim, regar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Anonimo 2 beijos.

É setembro e não tenho nada para ler. :) beijos 2 ou 3 ou 4